Close II, 1993

Em Close II [Próximo II] há um corpo que se entrega à terra. O corpo masculino está, na escultura, por tradição ligado à posição vertical, ereta e dominadora, mas aqui está em absoluta horizontalidade, numa posição de extrema vulnerabilidade, onde nem há lugar para a heroicidade da derrota. Está, assim, nos antípodas da noção do monumento – não comemora, nem elogia; não tem rosto, nem a autoridade de um pedestal ou de um nome.

Antony Gormley, Close II, 1993

Qual a razão dessa entrega? Um desejo desesperado de regresso, onde a terra também pode ser um útero, um túmulo, a escuridão projetada pelo corpo? Um gesto de humildade? Uma fuga da presença esmagadora do mundo? O título por si é ambíguo: designa o corpo, sem brechas ou aberturas? Ou a aproximação ao chão, o recolhimento de que nós somos excluídos? Na ficha técnica lê-se que a obra é feita de “chumbo e ar,” o que opõe a impenetrabilidade e a densidade do primeiro, realçado pelo desenho das juntas, ao vazio e à leveza do segundo, invisivelmente enclausurado no interior. Será que Close nos fala deste lugar (quase) ausente, feito de ar, no interior do recipiente hermético? Da nossa relação com este vazio?

Para Gormley, a escultura é simultaneamente objeto e lugar: o tempo – da experiência da obra e do lugar que engendra, mas também do fazer – é um dos seus temas-chave. Close foi feito a partir de uma molde do corpo do artista (método habitual na sua obra), processo que implica adotar uma atitude amovível e prolongada: há uma experiência temporal transposta, através da moldagem, para algo que ocupa espaço e cria um lugar. Objeto que, por sua vez, convida a uma experiência também sensorial e corporal do espaço.

O corpo de Close desenha uma cruz. Poderá haver aqui uma conotação religiosa, que por vezes ocorre na obra do escultor (veja-se, por exemplo, Angel of the North, que se ergue com cerca de 20 metros em Gateshead, Inglaterra); mas a forma parece sobretudo referir-se a uma posição de equilíbrio total, de marcação. Poderia ser uma cruz de vento. O corpo tem, para Gormley, esta função de articular o sentido do mundo e da nossa presença nele. Close é um marcador imóvel que visualiza forças que nos dizem diretamente respeito – a gravidade, forças centrífugas e centralizadoras. Retoma, assim, um dos temas mais antigos da escultura: a marcação do tempo e do lugar, a orientação no mundo.

Domain - Brendan Toole (XXXXVIIII), 2004

Antony Gormley, Domain - Brendan Toole, 1993

Esta figura faz parte do projeto Domain Field, o culminar da série Domain, constituída por figuras feitas com pequenas barras de aço soldadas no interior de moldes tirados do corpo, técnica que Gormley vinha explorando desde 1999. Domain Field é composto por 287 figuras feitas a partir dos corpos de 287 habitantes de todas as idades de Gateshead, no nordeste da Inglaterra. Nesta cidade foi apresentado pela primeira vez no Centro de Arte Contemporânea Baltic, que encomendou o projeto. Em 2004 foi parcialmente exposto na exposição que a Fundação Calouste Gulbenkian dedicou a Antony Gormley sob o título Mass and Empathy [Massa e Empatia]. Nesta montagem, as obras saíam para fora da sala de exposição, vagueando pelo edifício da Fundação e infiltrando-se no jardim. Convidavam o espetador a confrontar-se, através das esculturas, com o espaço envolvente, a presença de outros, e o lugar do seu próprio corpo.

As figuras de Domain são “corpos-limite,” figuras ainda reconhecíveis como humanas mas a um passo da dissolução; corpos virados do avesso, labirínticos, transparentes e luminosos, que oscilam entre o orgânico (quase num sentido vegetal) e a dura materialidade do aço. Na transparência, na leveza e volatilidade da forma, é como se o escultor procurasse definir a figura de um corpo na sua presença mínima. Há, como notou M.F. Molder, “uma espécie de geologia das continuidades do corpo, uma mineralização dos seus gestos."1 De facto, o título da série, Domain, pode indicar que está em causa uma delimitação do lugar do corpo, da sua esfera de ação. Domain Field será então um campo de esferas individuais de ação. Percebe-se assim que ao nome próprio no título, que identifica o modelo desta obra particular, não corresponde qualquer intenção de retrato. A obra é antes a dissolução do nome e da identidade, além da qual persiste, no entanto, a singularidade do corpo, por frágil e delicado que pareça. É como se fosse o grau zero da singularidade individual.


Textos originalmente publicados no site da Fundação Calouste Gulbenkian (aqui e aqui). O texto sobre Close II foi entretanto substituído. Para o artista e a sua obra, ver o catálogo da exposição Mass and Empathy (Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004). Para conhecer a obra de Antony Gormley, aconselha-se também uma visita ao site do artista (www.antonygormley.com), que inclui um inventário exaustivo das suas obras, séries e projetos.


  1. Maria Filomena Molder, “Privilégio e naturalidade,” in Mass and Empathy (Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004), p. 16. ↩︎