Monumentos coloniais em tempos pós-coloniais: o Monumento a Mouzinho de Albuquerque após o fim do Império
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Resumo e texto publicado nas actas de uma comunicação no IV Congresso de Historiadores de Arte Portuguesa, a 21 de Novembro de 2012, na Fundação Calouste Gulbenkian.
Resumo
Como já defendeu Aloïs Riegl em 1903, o monumento moderno tem uma vocação antes de tudo patrimonial. Mas pretende também, na definição de Henri Lefebvre, ser um “espelho colectivo”, garantindo a solidez dos laços entre passado, presente e futuro e configurando uma visão da história que contribui para definir o lugar e o seu sentido. Contudo, se a hegemonia memorial legitima o monumento como expressão das identidades colectivas e das suas origens, as transformações da memória colectiva que muitas vezes acompanham rupturas históricas põem em causa este papel. Como demonstrou Dario Gamboni, os tipos de uso do monumento nestes momentos, como a destruição, apropriação ou deslegitimação, têm um significado mais largo em relação a questões de estatuto e usos da arte em contexto público.
O espaço da antiga África portuguesa fornece matéria de estudo muito rica neste sentido, que no entanto está ainda em grande parte por analisar. Uma larga produção de estátuas e padrões tencionava configurar uma paisagem que desse consistência à ideia do “Império Colonial Português”. Esta produção torna-se, após as independências de 1975–1976, supérflua ou ofensiva, sendo sujeita a várias intervenções que procuravam transformar ou esvaziar o seu sentido, seja através do seu deslocamento e reintegração, seja através da destruição ou abandono.
O que se propõe é, em primeiro lugar, rever sucintamente a sorte da escultura pública portuguesa nos países que nasceram do “fim do Império”, tentando sistematizar os processos, por vezes complexos, a que foram sujeitos no contexto da descolonização. A seguir, propõe-se uma leitura mais aprofundada do destino de um destes monumentos, o de Mouzinho de Albuquerque na actual Maputo, articulando-o com alguns olhares pós-coloniais que, de posições diferentes, parecem convergir para a ideia do monumento como ruína ou vestígio.
Texto das actas
- Referência bibliográfica
- VERHEIJ, Gerbert. “Monumentos coloniais em tempos pós-coloniais. A estatuária de Lourenço Marques.” Actas do IV Congresso de História da Arte Portuguesa em Homenagem a José-Augusto França, 2.a edição revista e aumentada, coord. Begoña Farré Torras. Lisboa, AHPA, 2014. pp. 36–45. <www.apha.pt/wp-content/uploads/docs/Actas%20IV%20CHAP%20final.pdf>.
Em 1976, pouco depois das várias independências das antigas províncias ultramarinas portuguesas, o cineasta e escritor António Lopes Ribeiro publicou, na revista Resistência, um poema com o título “Requiem nos cais de Lisboa”1. Esta elegia para o recém-desmoronado Império cristaliza-se em duas imagens: as caixas com os bens dos retornados que então enchiam os cais de Lisboa—o “Império encaixotado”, como lhe chama Lopes Ribeiro—e a queda das estátuas:
Onde estão, que descaminho
Levaram (sabe-se lá!)
A estátua de Mouzinho
E de Correia de Sã?
Trata-se de duas estátuas portuguesas que existiram em praças principais das cidades de Lourenço Marques, atual Maputo, (Mouzinho de Albuquerque) e Luanda (Salvador Correia de Sã). A estátua de Mouzinho, tal como os dois relevos do plinto do monumento inaugurado em 1940, estão hoje na Fortaleza da Nossa Senhora da Conceição em Maputo; a de Correia de Sã, inaugurada na década de 1880, encontra-se atualmente na Fortaleza de S. Miguel em Luanda.
A interrogação do trecho citado é, no entanto, retórica: as estátuas, derrubadas e removidas, funcionam dentro da lógica da metonímia: para Lopes Ribeiro, os ‘descaminhos’ das estátuas substituem o descaminho do desmoronado Ultramar Português. Esta opção pela retórica das estátuas caídas tem algo de evidente: remete para um imaginário comum para ilustração de fins de regimes e impérios, que, apesar de poder parecer arcaico, está longe de esgotado, como mostraram as imagens da estátua derrubada de Saddam Hussein que em 2003 correram o mundo.
Estando o tema do destino das estátuas portuguesas no antigo ultramar praticamente ausente da historiografia artística portuguesa2, a pergunta de Lopes Ribeiro sobre o destino das estátuas e a tão forte carga retórica à volta da estátua caída podem servir de introdução à interrogação que pretendo seguir aqui: a das leituras e significados das estátuas caídas (e em queda) em Maputo durante e após a Independência de Moçambique em 1975. Particularmente, tentarei problematizar o ‘fim’ das estátuas que está implícito na pergunta de Lopes Ribeiro, discutindo a sua sobrevivência além da simbólica morte teatralizada no ritual do apeamento.
A queda das estátuas
O tema da remoção ou destruição de obras escultóricas no espaço público insere-se no tema maior do ‘iconoclasmo’ ou, em termos menos carregados, destruição e ‘mau uso’ das obras de arte. Contra uma visão que reduz este tipo de atos a mero vandalismo exteriores às problemáticas abordadas pela História da Arte, remetendo-os ao mesmo tempo para as notas-de-rodapé da disciplina, Dario Gamboni defende, em The destruction of art (1997), que os ‘atentados’ às imagens são melhor entendidos como desvios de uma norma de utilização. Desta perspetiva, tais atos não são desprovidos de sentido, mas implicam leituras e valorizações diferentes, isto é, uma forma entre outras de receção estética. A queda das estátuas, e os novos usos a que podem ser sujeitas, são, então, questões que não só dizem respeito ao domínio da arte indiretamente—na medida em que coloca questões patrimoniais ou de preservação—mas que incidem nos próprios modos de exposição e receção da obra.
Por outro lado, a estátua caída, quando reenquadrada por um dispositivo expositivo, aproxima-se à ruína enquanto categoria patrimonial. Como tal, ela pode ser pensada contra o fundo da reconceptualização do conceito de monumento iniciada no início do século passado por Alois Riegl3, e cuja pertinência tem sido apontada por autores como Françoise Choay4. Como se sabe, o primeiro autor contrapunha os monumentos ‘intencionais’ a uma nova (“moderna”) categoria de monumentos, que caracterizou como ‘não intencionais’, a que a ruína pode servir como modelo.
Na sua conceção tradicional, o monumento apela à imortalidade, ao presente perpétuo, fundando a autoridade deste apelo na imagem imóvel que apresenta. É elemento fundador do que Henri Lefebvre chamou um espaço de representação, um espaço onde dada comunidade ergue (ou onde lhe são erguidos) símbolos, imagens, memórias nos quais se revê (ou é impelido a rever-se); onde se lhe faz uma representação com que, no entanto, não coincide5. O monumento como ‘espelho coletivo’, imagem ou alegoria da comunidade, que corresponde, como veremos, às intenções (ou pelo menos aos sonhos) do Estado Novo.
Este conceito do monumento foi-se modificando, seguindo argumentos de Riegl e Chaoy, pela crescente importância do “valor de antiguidade” ou patrimonial6. Noção que remete para a manifestação involuntária na obra da passagem do tempo, da entropia; que implica, num contexto onde a ideia de comunidade é muito mais difícil de definir, uma distância, uma diferença, em vez de uma representação ou identidade; e a que se associam modos diferentes de exposição e leitura, nem sempre intencionais.
Os usos e representações em torno das estátuas que a seguir abordarei parecem apontar para uma tal manifestação ‘involuntária’ da sua própria historicidade na obra. Após a Independência, várias das estátuas portuguesas, apesar de despidas do seu enquadramento monumental e funcionalidades iniciais, continuam presentes enquanto elementos significativos no espaço urbano—sobrevivências, ou segundas vidas (um Nachleben warburgiana, quase se poderia dizer), fora dos caminhos interpretativos previstos, que parecem implicar essa ideia de ruína ou vestígio.
A estatuária estado-novista em Moçambique e a sua sorte após 1975
Houve, sob o Estado Novo, uma larga produção de escultura pública para as antigas colónias, ainda pouco estudada7. Esta produção resultava de encomendas diretas ou concursos promovidos quer por instâncias locais—as Câmaras Municipais ou Governos Coloniais (em Lourenço Marques pode-se apontar o Monumento a Mouzinho de Albuquerque) – quer pelo Estado central, sobretudo após a criação do Gabinete de Urbanização Colonial/do Ultramar em 19448; mas dirigidos quase sempre a escultores metropolitanos. Em casos mais esporádicos foram promovidos fora dos aparelhos administrativos: exemplos são os Padrões da Guerra, implantados em Lourenço Marques e Luanda pela Comissão dos Padrões da Grande Guerra.
Estas obras tinham uma vocação antes de mais política: afirmavam na paisagem, urbana e não só, signos da Nação, da “História” e das suas máscaras—os heróis, os grandes “feitos”. Neste sentido, a própria noção de monumentalidade podia associar-se a uma ideia de civilização ocidental que se opunha a outras culturas. No entanto, entender as obras como simples imagens de propaganda seria redutor. A sua leitura aparentemente transparente como mensagem política sustentava-se em rituais e discursos. O monumento respondia, neste contexto, a funções tão diversas como a de construir uma ‘memória coletiva’, criar espaços apropriados para o culto político e encenar uma ordem social. O monumento ou a estátua era assim enquadrado por um complexo jogo de valores políticos, sociais e estéticos—um processo transversal à vigência do Estado Novo9 (Fig. 1).
Ainda antes da Independência formal, a 25 de Junho de 1975, o governo da transição inicia a remoção dos monumentos coloniais dos espaços públicos.10 O carácter simbólico destas remoções é, como já foi referido, quase evidente, mas no caso das antigas possessões portuguesas parece ter sido mais intenso pela insistência com que o Estado Novo recorrera à arte como instrumento político. Num periódico da altura o ‘Império’ português é explicitamente caracterizado como “[u]m mundo de estátuas e de símbolos”, onde “[c]ada inauguração, cada discurso, cada estátua era um marco de posse."11 Tratava-se, assim, também de uma apropriação e reconstrução das formas de representação coletiva, da “descolonização das mentalidades”, como então se dizia.

Uma fotografia de Ricardo Rangel (Fig. 2) capta com grande eficácia visual a queda de uma dessas estátuas—a de Mouzinho de Albuquerque, vendo-se em primeiro plano um dos baixos-relevos do plinto—como metáfora da queda do regime. Sugere também o carácter alegre desta profanação, que implicava a eliminação da distância que antes dava à estátua a sua plausibilidade como imagem de um regime.
Dentro da referida lógica de descolonização, o governo de transição previu a recolha das estátuas desmanteladas em museus, como futuros “elementos de estudo da história da ocupação colonial”. Há vários destes repositórios de estatuária colonial, que atestam de políticas semelhantes nas outras novas nações lusófonas: o Forte do Cachéu em Guiné, a Fortaleza de São Sebastião em São Tomé e Príncipe, e a Fortaleza de S. Miguel, em Luanda. Em Maputo, parte da estatuária portuguesa encontra-se hoje no recinto do Museu de História Militar, situado na Fortaleza da Nossa Senhora da Conceição12. Houve, no entanto, outros destinos para as estátuas derrubadas, que passaremos brevemente em revista.

Destinos da estatuária portuguesa em Maputo
Em primeiro lugar, há obras desaparecidas, como os padrões comemorativos espalhados pela cidade ou a estátua em bronze que estava a frente do plinto do Monumento a Mouzinho, representando uma figura feminina que guia pela mão uma criança indígena. Outras estátuas da cidade ficaram em depósito fora da vista pública. Algumas destas encontram-se em estado semi-destruído, como uma das estátuas que Simões de Almeida (sobrinho) esculpiu entre 1948 e 1951 para a fachada da Câmara Municipal de Lourenço Marques, hoje no jardim do Museu de Arte de Maputo13. Outras estão relativamente bem preservadas. Um exemplo é a pouco conhecida réplica da estátua de Salazar, da autoria de Francisco Franco, que figura o ditador como doutor de Coimbra (Fig. 3), de história atribulada. Uma primeira reprodução em pedra foi colocada no recinto do liceu homónimo, inaugurado em 1952. Por volta de 1963 foi destruído com explosivos por um grupo de oposição ao regime14. No ano seguinte foi reposta uma nova versão em bronze, que se encontra atualmente na Biblioteca Nacional de Moçambique—onde dorme o “sono do bronze na morte obscura das estátuas inúteis”.

Algumas das estátuas retiradas ou destruídas foram substituídas. Isto foi um propósito já apresentado pelo governo de transição mas só realizado a partir dos anos 90, com a inauguração de uma estátua de Samora Machel em frente ao Jardim Tunduru, onde antes estava um padrão comemorativa da visita presidencial de Carmona, em 1939. Em 2011, por ocasião do 25.º aniversário do acidente de viação que matou Samora Machel, foi inaugurada uma versão quase idêntica, mas de escala maior, da mesma estátua na Praça da Independência de Maputo, no antigo local do monumento a Mouzinho, em frente da Câmara Municipal15.
Outras estátuas, pelo contrário, mantiveram-se no seu lugar. É o caso do Padrão de Guerra, obra comemorativa da intervenção portuguesa em Moçambique durante a Primeira Guerra Mundial inaugurada em 1935, da autoria do escultor Ruy Gameiro e arquiteto Veloso Reis Camelo. A preservação pode dever-se a razões práticas: ao contrário das estátuas de bronze, esta é uma estrutura com mais de 14 metros de altura em pedra maciça, que não poderia ter sido removida sem danos irreversíveis. Isto não impediu, contudo, a destruição de um padrão semelhante em Luanda (Manuel Mendes e Henrique Moreira). É também de notar que o Padrão em Maputo, ao contrário do em Luanda, é das poucas obras que figura a população moçambicana sem paternalismos: nos relevos, soldados moçambicanos erguem a figura da pátria em pé de igualdade com soldados metropolitanos.
E é possível que hoje a pesada retórica nacionalista da figura da pátria já não seja legível como tal. Neste sentido, cita-se uma interpretação frequentemente reproduzida em guias turísticos. Esta diz que a figura feminina homenageia uma mulher que salvou a cidade, matando uma perigosa serpente num pote de água a ferver; interpretação que toma um fragmento de padrão segurado pela pátria por pote e que se apoia na presença de uma serpente à direita da figura.
Estes processos de alteração semântica podem ser intencionais: em Bissau, o Monumento ao Esforço da Raça foi re-dedicado aos Heróis da Independência, depois de retiradas as inscrições originais e colocada uma estrela de cinco pontas no topo. Também podem levar a reposições. Na Ilha de Moçambique, as estátuas de Vasco da Gama e de Camões foram primeiro removidas como símbolos da ocupação colonial, e mais tarde recolocadas por figurarem personagens historicamente ligados à Ilha.
A estátua de Mouzinho de Albuquerque: leituras da sua queda e sobrevivência
A queda das estátuas não se limitou, portanto, a simples apagamentos e substituições de símbolos. Alguns olhares sobre o derrube e a vida ‘pós-monumental’ da estátua de Mouzinho demonstram como também não implicava necessariamente um fim.
Mia Couto escreveu, já nos anos 80, um breve conto sobre a queda da estátua, com o título A derradeira morte de Mouzinho 16. A narrativa recorda a fotografia de Ricardo Rangel (Fig. 2). O narrador conta como a queda visualizava o colapso da ordem colonial: “Quando a estátua já terminou a sua queda, por dentro daqueles olhos portugueses [dos colonos], cavalo e cavaleiro continuam a tombar, já sem arte nem aprumo[…] Há um mundo que termina.”
Desta forma, a leitura da estátua altera-se: “pareceu provir [da estátua] um suspiro triste, como se Mouzinho nos confiasse um infinito cansaço de posar para o retrato do mito.” E, noutro lugar: “Afinal, Mouzinho é apenas um nome, um herói contrafeito. As brutalidades da dominação excedem este solitário cavaleiro. Do militar fizeram lenda e era esse artifício que mais magoava.”
No conto, a utilização política do monumento é explicitada, mas também contraposta a uma nova imagem que emerge do mito desfeito. Uma imagem que antes, em cima do pedestal, não seria plausível. Neste sentido, a nova situação no Museu de História Militar implica um claro reenquadramento da estátua (Fig. 4). Sem o pedestal, sem a escala e o lugar privilegiado do monumento, sem o aparato ritual, a estátua ingressa numa nova hierarquia expositiva, ao mesmo nível que o espetador. E aqui, o retrato aparece tingido de melancolia—como se o escultor tivesse preferido representar não o herói das cargas de cavalaria e da captura do temido Gungunhana, mas antes o romântico cavaleiro, nascido, segundo o próprio, no século errado, e que cedo se suicidou17.

Mas esta melancolia de ordem biográfica não pode ser separada de outra, própria das estátuas postas de lado. Estátuas que, lê-se num livro dedicado, precisamente, às memórias de Lourenço Marques, “haviam perdido a cidade” e “clamaram por Justiça, ignorantes da fragilidade da condição humana e da subjectividade da interpretação da história."18 A estátua é, assim, também um monumento à sua própria queda, memória do império perdido. Tal como a ruína, representa aquilo que já não é—é de certa forma um anti-monumento, um espelho quebrado que reflete o vazio que sobra das fantasias de dominação.
No entanto, as leituras do monumento não se limitam necessariamente a tais alegorias de um passado perdido e irrecuperável. De facto, na Fortaleza de Maputo, estas memórias convivem com a valorização patrimonial, turística e cultural. Uma imagem do fotógrafo moçambicano José Cabral aponta, também, para a possibilidade de leituras menos melancólicas19.

A imagem (Fig. 5) retrata o filho do fotógrafo a subir um dos relevos do Monumento a Mouzinho. A persistência e o peso do passado colonial aparecem, na figura da criança, com uma quase íntima proximidade ao presente e ao futuro. Parece que a fotografia nos diz que não é possível despachar a história para o museu, mas que esta—a história –, se marca o presente, não o determina, deixando espaço em aberto para o futuro. Remete assim para a ambígua esperança do narrador do conto de Mia Couto de que, após a necessária morte simbólica da estátua, o povo moçambicano seria finalmente capaz de construir, a partir das ruínas do passado, o seu próprio futuro, “sem ninguém[-lhes] dizer o que fazer.”
A imagem de José Cabral ilustra como a estátua de Mouzinho pode continuar a desempenhar um papel na visualização, não só do passado, mas também do presente. Os caminhos das estátuas portuguesas—poder-se-ia responder por fim a António Lopes Ribeiro—não se esgotaram na queda, mas antes abriram-se a novos contextos, olhares e interrogações.
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Resistência 128 (15 de Junho de 1976), p. 6. ↩︎
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Em relação ao ‘iconoclasmo’ no antigo ultramar português, uma das poucas referências é Dario Gamboni, The destruction of art. Iconoclasm and vandalism since the French Revolution, London: Reaktion Books, 1997, p. 109, onde o autor se debruça principalmente sobre Macau. Mesmo casos mediáticos de destruição ou remoção de estátuas estado-novistas em Portugal, como as de Salazar no Palácio da Foz em Lisboa e em Santa Comba Dão, têm suscitado menos atenção do que seria de esperar. O tratamento mais exaustivo destes casos, numa perspetiva histórica da produção e receção das imagens de Salazar, é de João Medina, Salazar, Hitler e Franco, Lisboa: Horizonte, 2000, p. 195ss. Mais especificamente dentro da História da Arte referem-se as abordagens de José Guilherme Abreu, Escultura pública e monumentalidade em Portugal (1948-1998). Estudo transdisciplinar de História da Arte e Fenomenologia Genética, tese de doutoramento, FCSH-UNL, 2006, p. 583-588 e 646-649, e Helena Elias & Inês Marques, “As últimas encomendas de arte pública do Estado Novo (1965-1985)”, in on the w@terfront 23 (June 2012), disponível em http://www.ub.edu/escult/Water/index.htm. ↩︎
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Der moderne Denkmalkultus: sein Wesen und seine Entstehung [O culto moderno aos monumentos: a sua natureza e as suas origens], 1903, com inúmeras reedições e traduções. ↩︎
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Por exemplo em A alegoria do património, trad. de Teresa Castro, Lisboa: Edições 70, 1999 [1988]. ↩︎
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Henri Lefebvre, The production of space, trad. de Donald Nicholson-Smith, Oxford: Blackwell Publishing, 1991 (1974), p. 33-39 e 220-228. ↩︎
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Veja-se Antoni Remesar, Hacia una teoría del arte público, Barcelona: Universidad de Barcelona, 1997, para uma defesa da pertinência de uma abordagem ‘patrimonial’ à arte em espaço público. ↩︎
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Para uma tentativa recente de inventariação, veja-se o segundo volume da obra Património de origem portuguesa no mundo: Arquitetura e urbanismo, Lisboa: FCG, 2010, coordenado por Filipe Themudo Barata e José Fernandes. Os conteúdos desta obra estão a ser disponibilizados on-line em http://www.hpip.org/. Para o caso de Moçambique, veja-se Gerbert Verheij, Monumentalidade e espaço público em Lourenço Marques nas décadas de 1930 e 1940, tese de mestrado, FCSH-UNL, 2011, especialmente p. 117-129. ↩︎
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Sobre o Gabinete de Urbanização Colonial, veja-se Ana Vaz Milheiro e Eduardo Costa Dias, “Arquitectura em Bissau e os Gabinetes de Urbanização colonial (1944-1974)”, arq•urb2 (2009), disponível em http://www.usjt.br/arq.urb/numero_02.html; sobre a sua atividade em Moçambique pode-se consultar André Faria Ferreira, Obras públicas em Moçambique. Inventário da produção arquitectónica executada entre 1933 e 1961, Lisboa: Edições Universitárias Lusófonas, 2008. ↩︎
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Este argumento é desenvolvido ao longo de Verheij, op. cit. ↩︎
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“Monumentos coloniais vão ficar em museu”, Notícias de Moçambique 24 (24 de Maio de 1975), p. 19, onde é reproduzido o decreto do governo relativo à remoção das estátuas coloniais. ↩︎
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Esta e seguintes citações de “Colonialismo: Um mundo de estátuas e de símbolos”, Notícias de Moçambique, op. cit., p. 1-3. Acerca do debate sobre as alterações toponímicas pode se também consultar os números 4 (21 de Dezembro de 1974), 10 (8 de Fevereiro de 1975) e 12 (22 de Fevereiro de 1975). ↩︎
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A estátua equestre de Mouzinho de Albuquerque e os dois relevos laterais do plinto (Simões de Almeida e Leopoldo de Almeida), nada se sabendo da alegoria feminina que estava a frente do plinto; a estátua de António Enes de 1910 (Teixeira Lopes); e um busto, provavelmente um retrato de Álvaro de Castro de Costa Mota sobrinho, colocado em 1949 no Museu Álvaro de Castro. A mesma sorte teve a estátua de Neutel de Abreu (Euclides Vaz), inaugurada em 1956 em Nampula, hoje no museu da cidade. ↩︎
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Imagens em http://delagoabayworld.wordpress.com/category/coisas/estatuas-da-camara-municipal-lm/. Nesta obra o “indígena” é, à semelhança da desaparecida figura alegórica do Monumento a Mouzinho, figurada de forma particularmente paternalista, o que poderá explicar este tratamento. No entanto, também é de notar que a figura é de pedra, material mais frágil que o bronze. Uma estátua de Vasco da Gama em Inhambane, também em pedra, mostra, no entanto, já sinais claros de intencionalidade (imagens em http://myafricanices.blogspot.pt/2006/04/inhambane-moambique.html). ↩︎
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Veja-se o testemunho do poeta Rui Nogar em Patrick Chabal, Vozes moçambicanas: Literatura e Nacionalidade, Lisboa: Vega, 1994. A estrofe citada de seguida é do seu poema “Aeroporto”, sem data. ↩︎
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Apesar de seguirem cânones próximos ao realismo socialista (e consta que foram encomendadas na Coreia do Norte), é curioso notar nestas obras uma certa continuidade com os modelos estado-novistas ao nível da temática heroica, de figuração e pose, e dos próprios lugares. ↩︎
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Mia Couto, Cronicando. Lisboa: Caminho, 1991, p. 161-163. As citações seguintes são daqui. ↩︎
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Sobre a vida e os atos de Mouzinho de Albuquerque e o culto a que, sob o Estado Novo, foi sujeito, veja-se Aniceto Afonso, “Mouzinho de Albuquerque, o herói dos heróis”, in História de Portugal, ed. João Medina, Lisboa: Ediclube, 1993, vol. IX, p. 255-262. ↩︎
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José Alves Pereira, prefácio a João Loureiro, Memórias de Lourenço Marques. Uma visão do passado da Cidade de Maputo, 2a ed, Lisboa: Maisimagem, 2004 , p. 7. ↩︎
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Este fotógrafo está também por laços biográficos ligado à estátua de Mouzinho: é o neto do governador-geral homónimo que em 1935 disponibilizara uma verba avultada no orçamento da Colónia para completar o fundo necessário para a realização do monumento. ↩︎